R é um jovem vivendo uma crise existencial - ele é um zumbi. Perambula por uma América destruída pela guerra, colapso social e a fome voraz de seus companheiros mortos-vivos, mas ele busca mais do que sangue e cérebros. Ele consegue pronunciar apenas algumas sílabas, mas ele é profundo, cheio de pensamentos e saudade. Não tem recordações, nem identidade, nem pulso, mas ele tem sonhos. Após vivenciar as memórias de um adolescente enquanto devorava seu cérebro, R faz uma escolha inesperada, que começa com uma relação tensa, desajeitada e estranhamente doce com a namorada de sua vítima. Julie é uma explosão de cores na paisagem triste e cinzenta que envolve a "vida" de R e sua decisão de protegê-la irá transformar não só ele, mas também seus companheiros mortos-vivos, e talvez o mundo inteiro. Assustador, engraçado e surpreendentemente comovente, Sangue Quente fala sobre estar vivo, estando morto, e a tênue linha que os separa.
Apesar de todas as
críticas (a maioria feitas por pessoas que nem se quer leram o livro), decidi
averiguar por conta própria se Sangue Quente era mesmo uma boa história ou
apenas “Crepúsculo com zumbis”.
Se vocês acreditaram
que a segunda opção seria a mais provável, felizmente, se enganaram muito.
R é um zumbi que se
arrasta, geme, come cérebros. O diferencial é que R (que não se lembra do
próprio nome, mas acha que começava com essa letra) tem pensamentos muito
profundos a respeito de sua existência, da nova condição do mundo e sobre o que
é estar vivo ou morto. Seria cômico se não fosse trágico. É essa sensação
constante que temos ao ler o que se passa em sua mente.
Ele tenta se apegar a
qualquer fragmento de vida que exista no mundo pós-apocalíptico. Objetos que
pertenceram às pessoas que foram devoradas, discos de vinil do Frank Sinatra, toda
a sorte de artefatos que lembravam como o mundo costumava a ser. Sua mente
entra em contradição sobre o que é estar vivo ou morto. Há uma parte que sente
quase prazer com o ócio e a simplicidade da morte. A outra representa o desejo
de estar vivo novamente. Falar, sentir e se expressar. Ser livre das limitações
impostas pela facilidade da morte.
“Antes, quando eu estava vivo, nunca poderia fazer isso. Ficar parado assistindo ao mundo passar por mim, praticamente não pensando em nada. Lembro-me do esforço. Lembro de objetivos e prazos. Metas e ambições. Lembro-me de ser cheio de propósitos, estando o tempo todo em todos os lugares. Agora, estou apenas parado aqui na esteira, me deixando levar (...) É fácil estar morto.”
Julie é totalmente o
contrário do que se espera de uma protagonista feminina. Ela não é inocente,
nem boazinha e muito menos delicada. É o tipo de personagem que você gosta e
antipatiza ao mesmo tempo. Toma decisões que muitas vezes são erradas, fala muito
palavrão e se sente completamente perdida.
Assim como R, Julie
vive em uma contradição. Há um lado nela que sente falta da calmaria do mundo, das
coisas e das pessoas que se foram. Porém, há outro que luta pela sobrevivência
e pela esperança de que haja uma mudança na situação miserável que seu mundo e
as pessoas que nele vivem mergulharam.
Quando um zumbi se
alimenta de um cérebro, as memórias e sensações do Vivo acabam sendo passadas
para o Morto. Assim, por alguns minutos, ele se sente como se tivesse a vida da
pessoa que acabou de matar. A ligação entre as suas personagens acontece
justamente quando num ataque, R come o cérebro do namorado de Julie, Perry. É,
eu sei, seria cômico se não fosse trágico.
Isso acaba explicando o amor entre os dois (o que tanta gente criticou, pois zumbis
não amam, blá, blá, blá). Muita gente também reclamou o fato do autor ter
deixado muito vago o modo como aconteceu a destruição do mundo e o que causou o
vírus que zumbificou a população.
Só que não é bem
assim.
O amor entre uma viva
e um morto. Alguém que vive e alguém que deseja
viver. Esperança e desesperança. O mundo anterior e o mundo atual. A
contradição entre tudo isso torna tudo mais fascinante! Alguém que luta para
sobreviver e alguém que luta para recuperar o mínimo vestígio de humanidade que
sobrou em si.
Um amor de metáfora.
Sangue Quente, apesar
de ser um livro com zumbis, não é um
livro de zumbis, propriamente. Sua
história não é para ser interpretada ao pé da letra.
Atenção:
os parágrafos a seguir não são revelações do enredo, mas sim uma análise. Existem
pessoas que preferem ler e tirar suas próprias conclusões. Aqui estão presentes
as minhas, então, se você não se incomoda com isso, vá em frente.
Apesar de R ser um
morto, há muitas pessoas na trama que parecem estar mais mortas do que ele. Há
uma constante indagação sobre o que realmente é viver e o que isso tem haver
com a esperança, a mudança e a liberdade. Uma indagação que vai morrendo no
meio da correria do cotidiano e que acaba quase extinta quando o mundo vai ao
colapso.
Sobre o “apocalipse
mal explicado”, acredito que ele não tenha sido tão mal explicado assim. Da
mesma forma que os zumbis são quase uma metáfora trágico-cômica, o apocalipse
aconteceu pelos mesmos motivos pelos quais os homens estão numa linha tênue
entre a vida e a morte: a ganância, a arrogância, o poder ilimitado e
inescrupuloso, a intolerância, entre outros fatores que tornam o homem cada vez
mais desumano. Essa é a causa da “morte” da humanidade, tanto no sentido
literal quanto no sentido psicológico.
De qualquer forma,
Sangue Quente tem aquele ar sarcástico e cômico, que nos apresenta uma reflexão,
mas não nos obriga a refletir de maneira imposta, pois as ideias que o livro
passa estão nas entrelinhas, esperando para serem notadas. Isso o torna
divertido e esclarecedor ao mesmo tempo. Foi uma leitura maravilhosa e me
surpreendeu bastante. Decididamente, já está na categoria dos meus livros
favoritos.
A narrativa cômica,
as personagens e suas contradições internas, o clima de simplicidade quase inocente
que o R dá aos seus pensamentos e um amor totalmente improvável são pontos que
deixam a história ainda mais cativante.
Se vocês ainda têm
dúvidas sobre o livro, recomendo que o leiam. Sério. Nunca se deixem levar por
comentários negativos ou especulações de quem não leu ou quem taxa uma história de “Crepúsculo com zumbis”. O que pode ser ruim para alguém, pode ser
ótimo para você. Por isso, dê uma chance. Sempre é bom tirar as próprias conclusões.
Eu espero que você se
surpreenda tanto quanto eu.
Informações sobre o livro
Título: Sangue Quente
Autor: Isaac Marion
Editora: LeYa
Páginas: 256
Avaliação:
Adorei sua resenha, me fez querer ler o livro loogo!!
ResponderExcluirEu gosto desse livro, como vc falou não é um livro de zumbis. É um livro com muitas metáforas e muitas questões a se refletir. Algumas das quais vc apontou muito bem na sua análise
ResponderExcluirQuanto ao Apocalipse mal explicado. Sério, tirando Resident Evil, não consigo lembrar de nada que vi de zumbis (e já vi até bastante seja em jogos, filmes e afins) que realmente explique o que trouxe isso.
Gostei bastante da sua resenha ^^
Té mais...
http://bmelo42.blogspot.com.br/
Té mais...
http://bmelo42.blogspot.com.br/
sou louca para ler esse livro, só vejo resenhas positivas sobre ele e a sua não foi diferente :) Muito boa a sua resenha e me deixou muito mais curiosa para ler esse livro hihi
ResponderExcluirBeijos! http://meuvicioliterario.blogspot.com.br/
Eu li o livro e vi o filme... Amei ... hhehehe
ResponderExcluirBjoos
Colecionando Livros
Olá deixei um selinho para você lá no meu blog http://virandoapaginablog.blogspot.com.br/
ResponderExcluirHm.. Não gosto de zumbis, nem de livros, nem de filmes, nem de séries. Não que já tenha parado para ler ou assistir alguma coisa com eles, apenas não simpatizo e ponto. Mas sua resenha até que fez esse livro parecer um pouquinho interessante.. Qualquer dia, se eu criar coragem de tentar esse "algo diferente", pego ele para ler.
ResponderExcluirAbs
www.tainahrodrigues.com
fantasiandocomoslivros.blogspot.com.br